terça-feira, 22 de setembro de 2009

Despertar

Era novembro, não sabia bem a hora, mas já não se via luz ou alma transitando aquele parque, onde nem o vento ousava quebrar o silêncio com seu tradicional assovio. De certa forma, o tempo parecia estático, inerte. Às vezes acho mais fácil acreditar numa existência divina quando a rua é fria, vazia, quieta. Talvez porque me faça refletir, ou talvez por ser reflexo de como me sinto. "Nunca se sabe", costumava dizer.

Lembrava, sóbrio, do torpor que vivera até então. Fazia sentido caminhar. Me entenda, não que eu não possa pensar sentado à beira de uma janela, mas existe algo de mágico no andar sob as estrelas divagando. Ao menos para mim. De certa forma é como se cada passo me fizesse contornar o abismo que nos chama toda vez que remoemos o passado em algum canto escuro. Mas não. Eu não quero me atirar no meu próprio desconhecido. Nunca se sabe, talvez não tenha forças para voltar. Ele que venha à luz de minhas idéias, então conversaremos.

Inúmeras vezes tal abismo se apresentava para mim em diversas formas, cheias de cores, sensações, gostos dos mais diversos tipos. Fosse um carro novo, uma mulher perfeita ou meu copo de cerveja, todos eles disfarçavam que - mesmo ao obtê-los, permaneceria eu. "Raios", ainda assim teimava em querer tudo aquilo que me provocasse desejo. Ah, desejo... Onde mais eu poderia descansar minhas angústias senão na fantasia de felicidade instantânea?

Eis que o vento me toma de volta à realidade. "Grato", disse eu. Já estava longe, do meu lar, mas perto demais do meu abismo. Hora de voltar. Dobrei à esquerda na Rua De Leon, embora eu nem soubesse que ela existia. Enfim, eu tinha tempo. Nada de fascinante, ou até mesmo digno de atenção. Havia um barzinho mequetrefe escondido atrás de uma obra em construção. O único rebite ali era servido pelo barman. Via ali um espelho, me identificava com aquela gente cuja felicidade era química, curta e servia como disfarce para os problemas que deixavam na porta de entrada.

Resolvi seguir os conselhos sussurrados pelo vento, e tomei novamente a esquerda. A Avenida da Luz, como marcava a placa, só podia ser ironia. Mal enxergava a calçada. E Avenida? Só se fosse em 1830. Incrível como o fim de ano deixa a gente pensativo. Enquanto pesava sorte e revés, tornava frequentemente à memória uma antiga paixão. Senti então o perfume que ela usava, só para mim, só em ocasiões especiais. Lembro a última vez que ela me presenteou com aquela essência. Voltávamos de um passeio no Cais, quando então começou a chover - torrencialmente, diga-se de passagem. Corremos para minha casa, em meio a risadas e incessantes gotas d'água. Ensopados, então, entramos pela porta num misto de risos infantis e uma lascívia imprópria para menores. Ela ainda tremia um pouco, mas já estava acesa. Foi então, de repente, que aquele perfume - só dela - me tomou. Foi a última vez que senti tamanho êxtase, que ultrapassava facilmente as barreiras da percepção. Era algo angelical, divino.

Poxa, já faziam oito anos desde aquela noite. Que criatura perversa ousaria brincar com o destino de um homem dessa forma? Havia no mundo outra pessoa com aquela essência? Mas ela não sobrevivera ao acidente, só poderia ser outra pessoa. Estou delirando, não há outra explicação. Devo me conter. Com certeza, devo. Será que devo? Mas quem diz que devo? Eu? Os outros? Não há ninguém aqui, além de mim...

Sem perceber, meu peito se enchia com uma sensação de calor, carinho. Minha visão já não era tão ébria, o mundo ao redor parecia clarear. Devo estar louco, pensei. Não estava nem perto de amanhecer, mas sentia como se fosse meio-dia no verão. Sentia-me enlaçado por aquele perfume, como se ela me abraçasse naquele instante. Resolvi retribuir. Conseguia senti-la completamente. Não podia estar louco. Devia estar acordando.

Talvez fora eu que sofrera o acidente, e ela estava me esperando. Ou eu estava delirando pelo amor da minha vida, que vinha me salvar ou me entregar a meu abismo.

De um jeito ou de outro, ela era um anjo. Para mim. Enfim, Louco ou Desperto, fica a critério de cada um. Eu vou tomar uma decisão por mim.

Até porque... Nunca se sabe.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Sonhar é preciso

Quem diria, em torno de um ano atrás, que Barrichello estaria na posição que está agora?

A Foto abaixo, até ano passado possuía um quê de despedida, como se os Sonhos (Dreams) sempre estivessem acima do potencial de Rubens.

Barrichello é o melhor piloto na questão de Humanização da F1. Representa o exemplo da pessoa comum, que batalha, luta, erra, fala demais quando não deve ou desiste de falar quando deveria - enfim, um de nós.
Representa, acima de tudo, a importância da TENACIDADE em face à adversidade. Nós, vendo a cena de fora, acreditávamos em 2008 que assistiamos no ocaso do piloto que em 1994 assumira - talvez ingenuamente - a responsabilidade de manter o legado de Senna.
Sendo assim, acredito que como um povo, o tratamos mal. Fomos perversos. Torcíamos por ele mascarando nossas frustrações em piadinhas fúteis.
Em 2008, a corrida na Inglaterra na qual ele obteve o pódio graças à rápida decisão de pneus combinada com sua ousadia (revertendo assim as deficiências de sua Honda). Ali, parecia que era o último Vôo do Cisne - seu último suspiro de brilhantismo numa categoria que ofusca todo aquele que não consta no topo ao final do dia.
Estávamos errados - AINDA BEM. As divergências, os medos, a incerteza gerada pela saída da Honda no final do ano passado trouxeram muita angústia. Mas, no lado bom, trouxeram a Barrichello uma nova chance, um recomeço desligado do passado. Não era mais o único responsável pela Nação (que nutria esperanças em cima de Felipe Massa) na F1. Seu único dever era entrar naquele BrawnGP001, fazer o seu melhor trabalho e sentir-se bem consigo mesmo. E isso ele vem fazendo.
Sempre voltado à emoção, Barrichello ganha um tom mítico enquanto "anti-herói". Ele não está lá para salvar a pátria, ele não é o maior de todos os tempos, e sua força provém disso.
Sua força é ser humano, correr pelo desejo de vencer, se motivar pela sua paixão pela velocidade e cativar a todos por superar os desafios com obstinação impar.
Em suma, eu vejo em Barrichello um modelo de um ser Imperfeito que não desiste por ter falhas, mas que luta para superá-las. Alguém que busca sua própria felicidade e, com isso, nos motiva a vencer e nos faz feliz por mostrar um mundo onde a dedicação e o esforço são recompensados.
E tanto faz se ele ganhar ou não o título no final. Ele já é um vencedor.

3

Trindades são muito constantes no imaginário do mundo ocidental, visto que o conceito de uma tríade estabelece uma idéia de Justiça democrática poética, quase inatingível.

Pense bem, uma discussão entre duas pessoas só termina se alguém Cede. Entre trÊs (e com circunflexo deliberadamente maiúsculo), a discussão se encerra à favor da maioria. Acima disso, os números ímpares tornam possível a formação de panelinhas ou a exclusão de opiniões importantes.

Por exemplo, quem que vai levar em conta o voto do carinha quieto em uma reunião de cinco pessoas quando três delas ou quatro já manifestaram concordar entre si? Por mais contundentes que sejam suas "verdades", são relegadas ao esquecimento.

Assim, numa breve associação livre, existem 3: Pai-Mãe-Filho (num complexo Edípico), 3 Poderes em um Estado democrático, 3 partes de um dia (M/T/N), 3 cores primárias (3 secundárias), 3 no catolicismo (Pai-Filho-Espírito Santo), 3 formas de colocação pronominal (Próclise, Mesóclise, Ênclise), 3 possibilidades Temporais (Passado, Presente, Futuro), 3 filmes do Exterminador do Futuro, e por aí vai.

De certa forma, todas coincidências numéricas vem de encontro a certo momento da vida do sujeito, como o caso do filme "23" com o Jim Carrey. Seja lá qual for seu número, não o use como desculpa para não escrever durante 3 meses o que você pensa, por exemplo.


A poesia de um ombudsman disfarçado é tão útil!